Carência Narcísica
- Rodrigo Ramos
- 13 de dez. de 2022
- 3 min de leitura

Ela é o tipo de mulher que muitos adorariam ter ao lado. Gata, inteligente, não pega no pé, nunca reclama do meu rolê durante a semana. Por mim, é claro, ela estaria ao meu lado, como normalmente ela não pode eu vou pra noitada como se o fim não existisse, gasto bem, com comida, marmitas, sorvetes, alguma trash food, cigarros e mais cerveja, pra mim e para os amiguinhos, é um hábito ridículo que eu chamo de viver.
Sou muito eufórico nesses episódios e adoro minha capacidade de circular em qualquer turminha... Simplesmente gosto das pessoas, até as mais junkies, dou chance pra todos, apesar que eu tenho um limite, óbvio, uma ética mínima. Por exemplo, minha chefe nunca me viu sequer alegre por conta de uma cervejinha, minhas colegas de trabalho jamais viram meu humor alcoólico, jamais verão, não existe a menor possibilidade de que eu beba alguma coisa alcoólica na frente das pessoas com quem trabalho, nem nas festas, brio minha gente e alguma dignidade... Mas enfim, voltando a essa mulher, ela é irritantemente tolerante e com toda calma revela certa empáfia, não existe a menor possibilidade de pensar numa ligação dela no meio da madrugada me cerceando, moralizando meu comportamento, ou restringindo meus passos, eu sou absolutamente livre do jeito que eu queria antes, só que agora, na verdade eu detesto isso.
É como se eu fosse ignorado com franqueza, o que gera certa carência, como alguém que namora pode estar carente? Fico pensando na filha dela então, direto, sim! Ela tem uma filha extremamente hipnótica, linda, uma coisa dionisíaca, não é normal tanta beleza. E isso muda tudo, nem preciso querer cobrar atenção, sei que não tenho a menor chance, nem tenho essa intenção. Tal igual a filha a mãe é absolutamente bonita, eu prefiro pensar que é uma grande oportunidade, a boniteza tem uma postura meio anárquica, a maternidade a deixa mais bela e responsável, preciso aproveitar antes de ser descartado, penso.
Convenço minha mente, minha racionalidade existe em algum lugar do meu ser, mas não convenço meu emocional, passo horas solitário no apartamento. E de novo vou pra rua buscar alguma companhia e administrar meus vícios.
Daí conheço centenas de pessoas, algumas delas especiais, vou montando minha panelinha, conhecida como a Vila Madalena de Diadema, eu me sinto querido, acolhido, eu me sinto respeitado pelas pessoas que curtem meu som, respeitado pelos donos dos lugares que eu frequento, pelos funcionários... Sou especialmente simpático com as pessoas que me servem, admiro elas e agradeço pelo trabalho de todos, no entanto volto sozinho e chapado de breja IPA, minha favorita, só que mais pobre e pensando alto nos corredores do prédio, dizendo bobagens delirantes no meu quarto, acabo sendo detestado por alguns seres horrendos do condomínio onde eu moro, infelizmente o pessoal não entende como a solidão é uma bosta e eu falo sozinho mesmo, porque é o que me resta. Daí no meio da madrugada vejo que não ganhei a atenção da gata, seria muito bom ser surpreendido por ela, mas esqueço o smartphone, reconheço minhas virtudes e falhas, mando tudo se foder, fico finalmente em silêncio e lembro dos meus cartões que batem recordes de mês em mês.
Bem cedo, quase diariamente, a morena manda um bom dia, carinhoso, mas sucinto, eu acordo pensando em como vou pagar as contas e em como vou dizer pra ela, que ela está em falta com minha insistente e imatura carência narcísica.



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